Escrito e dirigido por Seth MacFarlane, a comédia Ted satiriza a infantilização do adulto estadunidense em uma história que trata de amizade, dependência, ciúme e canalhice
Ted, em exibição na cidade, é criação de um cara chamado Seth MacFarlane, 38. Formado em Animação, é o que se pode chamar de “um homem de sorte”. Após tornar Johnny Bravo um enorme sucesso, recebeu 50 mil dólares da Fox para criar Uma Família da Pesada (Family Guy), um sucesso repentino, com a qual a Entertainment Wekly o considerou “o homem mais inteligente da televisão norte-americana”, e, graças a um erro de seu agente de viagem, escapou de morrer no primeiro avião sequestrado por terroristas a bater no World Trade Center.
Desvinculado da televisão, MacFarlane agora é um homem do cinema e sua estreia é especialmente consagradora. Mas, ao ler essa minibiografia não pense que MacFarlane seja um sujeito “politicamente correto”: não o é.
Ted não é uma comédia, é uma sátira – e mordaz, muito mordaz. O seu alvo é um tema caro aos estadunidenses: a infantilização dos adultos. Algo a ver com a síndrome de Peter Pan, a do adulto que se recusa a crescer, também definida pelo médico e educador inglês Bruce Charlton, da Universidade de Buckingham, como “neotenia psicológica” (“manutenção de características infantis durante a vida adulta”), a qual, segundo ele, cuja tendência é aumentar na população de maior idade. Consumo, falta de educação e comportamento estão entre as causas.
Para tratar do tema, MacFarlane criou a história de John Bennet (Mark Wahlberg), um garoto solitário que ao ser rejeitado pelos colegas de sua idade, numa noite de natal, ganha dos pais um ursinho de pelúcia ao qual dar-lhe o nome de Ted. Encantado, deseja que ele ganhe vida. Atendido por algo divino, John passa a ter em Ted um amigo fiel. Mas uma jura de amizade eterna vai criar-lhe problemas mais tarde, quando chegar aos 35 anos.
A origem da infantilização
MacFarlane não ambienta a sua história em Nova York, mas em Boston. Curiosamente, esta é uma cidade fundada pelos ingleses. É a primeira sacada do filme. Terá sido proposital? Estaria ele insinuando sobre a origem da infantilização, colocada, assim, como hereditária dos antepassados ingleses?
O salto da história de 1985 para a atualidade transporta Bennet para os 35 e Ted para os 27 anos. Ele já está a quatro anos namorando Lori (Mila Kunis, de Cisne Negro), que já está muito incomodada com a divisão de atenção dele entre ela e o boneco. Não se espante, mas aqui, MacFarlane trata de um tema caro aos seres humanos: o ciúme.
Ao longo da história, a narrativa vai mostrando como John é um adulto infantilizado. Mas, a preciosidade dessa história que transita pela fantasia não reside somente aí, mas, também, em outro campo do comportamento: o do politicamente incorreto.
Ted, o boneco, expõe o seu lado descompromissado com a correção: é desbocado, fuma, bebe, cheira cocaína e ingere outras drogas ilícitas, promove festas de arromba, transa com mulheres (e reclama à Hasbro por não ter-lhe dado um pênis) no local de trabalho e por aí vai. Nenhum compromisso com a realidade. Afinal, ele é apenas um boneco que ganhou vida. E a está aproveitando.
Outra “qualidade” de Ted é a persuasão. Para incrementar as suas atividades ilegais ele sempre consegue convencer o eterno amigo a fazer-lhe companhia, impedindo-o, assim, “de crescer”. Com essa fraqueza que o impede de dizer não, de erro em erro John vai perdendo a confiança da namorada, com a qual já planeja casar-se.
Observar os coadjuvantes
É bom observar alguns detalhes nos personagens coadjuvantes. Um deles é Frank (Bill Smitrovich), o supervisor do supermercado no qual Ted trabalha que o presenteia com uma melhoria de cargo sempre que o flagra praticando atos ilícitos – evidentemente, o homem vê nas atitudes do boneco tudo aquilo o que gostaria de fazer.
Há, ainda, Thomas (Matt Walsh), o patrão de John, um fã quase obcecado pelo ator Tom Skerritt; e a simpática Tanya (Laura Vandervoort), colega de trabalho de John. Mas, se os grandes personagens são aqueles que perturbam e surpreendem, o troféu está em disputa entre Rex e Donny.
Rex (Joel McHale, da série de TV Community, exibido aqui pelo canal fechado Sony), o patrão de Lori, expressa o chefe canalha que assedia sem classe as suas funcionárias. MacFarlane faz a exposição de um povo consumista, solitário e doente com os riquíssimos Donny (Giovanni Ribisi) e Robert (Aedin Mincks), de 10 anos – o pai e o filho psicopatas. A casa de ambos, ilustrada por fotos de Ted nas paredes fica entre algo hilariante e macabro, remetido sem dúvida, de Seven – os 7 Pecados Capitais (1995), de David Fincher.
Há, ainda, em Ted, o filme, algumas cenas hilariantemente marcantes, mas revestidas de realidade. A cena em que Ted faz John apanhar nas nádegas como uma criança é algo revelador. Ali encontra-se a síntese do filme – um adulto apanhando nas nádegas para crescer e se comportar como um adulto.
MacFarlane brinca com os clichês dos filmes cômicos, românticos e de suspense. E, além de satirizar dezenas de celebridades da música (Chris Brown, Katy Perry) e do cinema (James Franco, Adam Sandler, Taylor Lautner, Brandon Routh), resgata Sam J. Jones, o Flash Gordon da produção de 1980 dirigida por Mike Hodges, um milionário fracasso nas bilheterias que ao mesmo tempo se tornou um clássico do cinema trash e obra cultuada por toda uma geração de cinéfilos e amantes da ficção científica.
Ted é uma sátira que se assiste se deliciando com a inteligência e a lucidez de um cineasta diferente chamado Seth MacFarlane. Olho nele!
Ficha técnica
TED (Ted, EUA, 2012), de Seth MacFarlane. Com Mark Wahlberg, Mila Kunis, Seth McFarlane e Sam Jones. Paramount. 109 minutos. 16 anos.
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